La Foncalada, testemunho único da arte civil pré-românica europeia

Esta fonte medieval, situada no coração do centro da cidade de Oviedo/Uviéu, é uma das poucas construções civis pré-românicas que sobreviveram até à atualidade. É um marco da arquitetura medieval europeia e da engenharia hidráulica da época. Lembra-nos que houve um tempo em que a água não circulava por condutas e era venerada e protegida. O seu estudo é essencial para decifrar o papel que estas infra-estruturas desempenharam na evolução das cidades medievais. A sua presença icónica e a sua permanência ao longo do tempo tornaram-no um totem da capital asturiana.

Em 1998, a UNESCO reconheceu a sua relevância histórica, declarando-o Património da Humanidade no conjunto dos Monumentos Pré-românicos de Oviedo e do Reino das Astúrias.

Desde o século IX, foi muitas coisas: símbolo do poder real e religioso, fonte de água potável para os habitantes de Oviedo, lavadouro público... resistiu ao tempo como testemunha da evolução urbana de Oviedo/Uviéu até se tornar um ícone patrimonial.

Há quem acredite que é de origem romana e quem atribua a sua construção a Afonso III, embora a maioria dos investigadores defenda que a sua configuração atual data do reinado de Afonso II, o Casto (791-842). A hipótese romana continua em aberto, mas não foram encontradas provas conclusivas que permitam falar de uma construção anterior ao início da Idade Média.

O seu nome provém do latim"Fontem Calatam", que poderia ser traduzido como"fonte invocada", reflectindo a forte ligação religiosa que a monarquia asturiana estabeleceu com as suas construções. A sua água cristalina, associada ao batismo e à purificação do pecado original, não só saciava o corpo como também renovava o espírito. Pode ter sido utilizada em rituais de purificação ou para fins terapêuticos. Também é possível que fizesse parte de um circuito processional que partia do presumível palácio real nas imediações de San Tirso el Real e da primitiva igreja de San Salvador (sobre a qual se construiria a Catedral de Oviedo) e terminava em San Julián de los Prados.

Pormenor da Fonte da Foncalada em Oviedo, Astúrias, com a Cruz da Vitória gravada na pedra e uma inscrição.

Quem dominava a água, dominava a cidade. Dotar Oviedo/Uviéu de uma fonte monumental não só assegurava o bem-estar dos seus habitantes, como também consolidava a estabilidade do reino e reafirmava a monarquia. Na fachada oriental da edícula, a presença da Cruz da Vitória, acompanhada de inscrições latinas, reforça esta ideia.

Mesmo no início do século XX, antes de a água corrente chegar às casas, La Foncalada era um ponto de encontro das mulheres que vinham lavar a sua roupa. No entanto, o crescimento de Oviedo/Uviéu e a modernização do abastecimento de água relegaram-na para segundo plano. Confinada no tecido urbano, sofreu a ameaça da poluição, a erosão da pedra e a pressão do tráfego rodoviário.

As principais intervenções na Foncalada tiveram lugar nos séculos XX e XXI, com obras que procuraram estabilizar a sua estrutura e recuperar o seu aspeto original; eliminando sedimentos e outros elementos que alteravam a sua estrutura original, reforçando a conservação dos silhares e da edícula. No início dos anos noventa, as escavações arqueológicas permitiram avançar na interpretação da sua estrutura original, revelando que a Foncalada não era um elemento isolado, mas sim parte de um sistema hidráulico mais amplo que abastecia a cidade medieval. Com o seu reconhecimento como Património da Humanidade em 1998, foram estabelecidos novos critérios de proteção e foi instalado um sistema de drenagem para reduzir a humidade e evitar a erosão. Atualmente, a fonte continua a estar sob constante vigilância e manutenção para evitar alterações na sua estrutura.

O aspeto geral de La Foncalada é semelhante ao dos ninfeus de Pompeia. Alguns elementos fazem lembrar as construções hidráulicas do Alto Império, especialmente o seu pequeno templo e um tanque que poderia ter sido utilizado como balneário.

Um dos principais argumentos a favor desta teoria de origem romana é a semelhança dos seus alicerces com os das"Pedras Formosas", estruturas rituais e termais caraterísticas do noroeste da Península Ibérica e que datam da época romana ou mesmo pré-romana. Em todo o caso, os testemunhos epigráficos e o estilo da edícula sugerem uma construção claramente ligada à monarquia asturiana do século IX.

Uma construção sóbria, com grandes silhares de pedra calcária, e uma estrutura composta por três elementos fundamentais: um tanque, um canal de abastecimento e uma edícula monumental para enquadrar a saída da água. Do ponto de vista arquitetónico, a sua conceção não foi de forma alguma acidental, mas antes respondeu a um plano coerente com os restantes edifícios do domínio, reflectindo um conhecimento técnico avançado para a época, capaz de canalizar e distribuir a água pelos diferentes pontos da cidade.

Um dos aspectos mais notáveis de La Foncalada é a sua decoração epigráfica com invocações de proteção divina, como estas:

"Por este sinal o piedoso é protegido. Por este sinal o inimigo é vencido".
"Senhor, ponde sobre esta fonte o sinal da salvação, para que não deixeis entrar o anjo batedor".

Há quem defenda que algumas destas inscrições se baseiam na bênção de fontes baptismais, o que poderia indicar uma utilização cerimonial da Foncalada.

Destaca-se ainda a presença de uma cruz com o Alfa e o Ómega, símbolos que reforçam esta mesma ideia de proteção divina, bem como a ligação entre o poder real e a fé. A edícula retangular, com cobertura em empena, contém um arco de meio ponto que dá acesso à água. É um desenho que, embora funcional, está também carregado de simbolismo e fala de uma tradição arquitetónica que tem as suas raízes no mundo clássico.

A Foncalada é um monumento de acesso livre, o que significa que pode ser visitado a qualquer hora do dia. No entanto, é aconselhável visitar durante o dia para apreciar melhor os detalhes arquitectónicos e epigráficos.

Dada a sua natureza urbana, não dispõe de um centro de interpretação próprio, embora possamos completar a nossa jornada cultural com uma visita ao Museu Arqueológico das Astúrias, situado nas proximidades, onde estão expostos outros elementos do património pré-românico asturiano.