San Salvador de Priesca, legado do pré-românico nas Astúrias

Quando, em 1913, San Salvador de Priesca recebeu o título de "Monumento Nacional", os historiadores referiam-se à igreja com etiquetas que hoje em dia estão um pouco fora de uso, como "hispano-cristã" ou "latino-bizantina". Só gradualmente se estabeleceu o termo"arte pré-românica" para agrupar as obras que não se enquadravam na antiguidade clássica ou no românico maduro. Obras de muito bom acabamento, cheias de simbolismo e de um refinado sentido do espaço, como a de Salvador de Priesca no município de Villaviciosa.

No início do século XX, a "Comissão de Monumentos de Oviedo" disse sobre esta igreja que "a história permaneceu silenciosa sobre ela durante séculos", já que não parece aparecer em testamentos, documentos ou crónicas da época (de facto, já era mencionada no "Testamentum" de Ordoño II). Naquela época só se sabia com certeza que tinha sido concebida por um sacerdote chamado Juan e que tinha sido consagrada no ano 921, como aparece na epígrafe de uma lápide. Esta data foi suficiente para tirar uma conclusão importante: o templo pertenceu ao período em que a corte do Reino das Astúrias foi transferida para Leão, após a morte de Afonso III, o Grande. Situado na aldeia de Priesca, a poucos quilómetros da cidade de Villaviciosa, é, portanto, um vestígio vivo da última etapa construtiva da monarquia asturiana.

Hoje, como no passado, é uma paragem obrigatória no Caminho de Santiago da Costa (Camino del Norte). O Caminho das Astúrias, declarado Património da Humanidade em 2015, deve o seu reconhecimento a igrejas como esta, que serviram de epicentro espiritual para todo um território, proporcionando descanso e refúgio aos peregrinos durante séculos.

Segundo os especialistas, foi buscar as grandes obras da época de Afonso II, reinterpretando-as com uma linguagem arquitetónica austera e adaptada ao meio rural. O mesmo aconteceria com outras igrejas rurais contemporâneas, como Santiago de Gobiendes ou San Adriano de Tuñón. No entanto, estudos recentes defendem também que o desenho de San Salvador de Priesca responde a conceitos matemáticos complexos, herdados de tradições clássicas como as recolhidas por Vitrúvio. Estes conceitos são mesmo superiores aos utilizados em edifícios de épocas anteriores, o que levou alguns a rejeitar a suposta "decadência" da arquitetura pré-românica posterior.

A sua planta é basilical. Arcos semicirculares separam a nave central das duas naves laterais. Três naves terminam em três absides correspondentes, sendo que a principal sustenta uma sala fechada e "misteriosa" sobre ela, à qual só se acede pelo exterior através de uma janela gradeada. Trata-se de um elemento caraterístico do estilo pré-românico asturiano, cuja finalidade é ainda desconhecida, embora possa ter servido como relicário, câmara de tesouro ou para cumprir funções estruturais e simbólicas. Este pormenor relaciona esta igreja com outros templos da sua época, como San Miguel de Lillo ou San Salvador de Valdediós. O esplendor ornamental deste último repete-se também nos capitéis da capela-mor de Priesca, com a sua rude mas evocativa decoração vegetalista: folhas de acanto afiadas como lanças e nervuras que lembram espinhas de peixe.

As suas três capelas são espaços íntimos, majestosos na sua simplicidade, dos quais o clero se mantinha afastado dos fiéis graças a portões de pedra gradeados ou esplêndidos - um destes portões pode ser visto no Museu Arqueológico das Astúrias. Das suas pinturas murais, apenas restam restos desvanecidos e dispersos após o incêndio sofrido em 1936. Na nave central há um plinto alongado sobre o qual se encontra a representação de um palácio com o seu pátio traçado em perspetiva. Outro pátio palaciano foi pintado na nave sul. Noutro ponto, há uma figura masculina representada de forma rudimentar. O resto das pinturas são motivos geométricos semelhantes aos que se conservam em San Julián de los Prados.

A igreja de San Salvador de Priesca é um desses lugares que parecem estar fora do tempo. Encontramo-la num recanto muito tranquilo do leste asturiano, aquele que nunca passa despercebido a quem caminha em busca do túmulo do apóstolo Santiago. Um ponto de interesse cultural e espiritual cuja grandeza tranquila nos recorda que o passado nunca está tão longe como parece.